(escrevi este texto há uns dois ano e meio atrás)
Ontem, eu estava no posto do Chame-chame sozinha, por motivos que realmente não interessariam ninguém. Estava procurando um táxi, às duas da manhã.
O ser humano é complexo demais!...eu estava com medo, por que as ruas estavam desertas e só tinha táxi ali na frente do Bom Preço. De repente, me veio aquela sensação conhecida . O vento bate na cara, a noite se torna viva e parece cantar pra você. E assim ela te envolve como se nada de ruim fosse acontecer. Seus passos ficam mais firmes, e você percebe que pertence ao mundo, à noite, ao escuro.
Senti vontade de ficar andando a noite toda, aquele sorriso no rosto que tem a cara da liberdade...Lembrei-me do Japão, de quando eu andava de noite em uma rua linda, cheia de outono e as árvores avermelhadas jogando suas folhas como se fossem confetes. Quando eu me via sozinha ali, me sentia tão livre, tão sem vínculos, sem responsabilidades com o mundo...
O Brasil já me cobra uma postura mais responsável. Tenho um trato com esse país e tenho que ser cidadã sociável, tenho que me comportar como ensina a minha classe social. Tenho que ter uma profissão respeitável e tenho o nome da minha família nas costas me chamando para um compromisso com a honra de um nome que eles me deram. E a vida? Vocês já imaginaram como seria viver anonimamente?
Pois eu passei por essa experiência e vou compartilhar com você. Morei num estado do Japão chamado Yamanashi-ken.
Morava num lugar chamado Kokubo com estranhos, num prédio cheio de pessoas no mínimo interessantíssimas. Peruanos, americanas, japoneses, o mundo inteiro estava ali, inclusive eu. Eu não tinha nome, nem família, nem passado...quando percebi, tinha um livro em branco nas mãos.Ninguém sabia quem eu era, de onde eu vim, por que estava ali.
Confesso meio envergonhada que essa foi a época mais feliz de toda a minha vida. Talvez por que eu não tinha passado.Meus compromissos foram temporariamente cancelados, minha personalidade foi recriada sem as exigências sociais. Vivi assim durante nove meses, e fui completa, plena. Não tinha medo, nem vacilava ao tomar decisões por que tudo o que eu podia ganhar ou perder, não envolvia mais ninguém. E eu me entendo comigo mesma, aliás, nunca me entendi tanto comigo mesma como nessa época.
Hoje estou aqui. Tentando me formar pra ter um diploma que me encaixe na sociedade, sabendo que tudo o que eu fizer terá conseqüências graves à minha família e que preciso zelar por um nome e uma classe que na verdade não me interessa muito. Por isso me lembro daquelas noites frias em que colocava o gorro e o cachecol e saía andando com uma lata de cerveja congelada que eu acabava nem tomando.
E ali eu podia tudo. Podia sentar na calçada, me fazer de louca, contar para cada pessoa uma história diferente... Estou concentrada na minha vida. Na faculdade, no trabalho, e estou meio obcecada por estabilidade...Mas ontem, aquele vento frio na cara e aquela madrugada me abraçando...Ah, essa saudade que desperta essa minha essência que vive me chamando, e me jogando na cara quem eu realmente sou...
Fabiana Lumi Hirata