Thursday, March 30, 2006

O Retrato

Ela estava mais uma vez olhando meio escondida aquele desenhista que desenha o rosto das pessoas, com uma perfeição quase pecadora.
Às vezes desenha concentrado, olhando para retratos, às vezes desenha ao vivo, mas me parece que isso o incomoda um pouco ...e a pessoa fica ali imóvel, fazendo força para sair bonita, como se adiantasse.
Ele mais uma vez a viu ali e achou divertido. Ela ficou meio sem graça mas não saiu, a curiosidade e o deslumbramento eram maiores .” Quer fazer seu retrato?” A frase lhe deu um tapa. “ meu retrato?”. Ficou imaginando se ver ali, uma sombra dela num papel. E se ela não for do jeito que sempre imaginou? O que sentiria quando encarasse de forma tão sólida a imagem que aquele estranho tinha dela? Isso não deveria ser segredo? Era um caminho sem volta. Uma vez feito, não teria como voltar atrás.
“ Não, fica pra próxima”.Respondeu e saiu por aí pensando se era certo deixar alguém solidificar a imagem que tem de você num papel assinado. Não. Não parecia certo.
Fabiana Lumi Hirata

Eu e o mundo

Tem coisa que a gente não consegue sentir direito justamente por que não tem nome. Que mania essa de ter que dar nome pra tudo. Algumas coisas ficam frouxas, outras apertadas demais...
Voltei a andar na orla, coisa que sempre fazia quando era gente. Mas de repente, parei, por que sentia que não era mais bem vinda . E não era, estava pensando demais.
Esses dias voltei a andar na orla e consequentemente voltei a pensar. Impressionante como os pensamentos têm vida própria. Eles simplesmente não são meus, até o vocabulário é diferente, acredite.Mas soam como ordem. De onde vem aquela voz cobrando ações, vitórias,vida, vida e vida? Pra que tanta vida, Meu Deus?
O mundo estava acostumado com minha ausência e quando voltei a andar na orla, voltei devagar, como quem pisa em cimento molhado, como quem pede licença...e eu pedi quase o tempo todo, com uma pouco de orgulho disfarçado.
Humildemente, mas sem perder a pose, eu dizia com a cabeça muito baixa: “ desculpa, mas eu voltei”. E o mundo gritou com todas as vozes de céu, mar, terra, vento, asfalto, verde e concreto: E PRA QUE VEIO?POR ONDE ANDOU? ESTÁ PRONTA? O QUE TEM PARA ME DAR? VAI AGUENTAR?
Para que tantas perguntas?A cabeça continuou baixa, vergonha talvez. Vergonha de ter voltado tão pequena, esfarelando pedaços de sonhos...Fiquei em silêncio, e senti vontade de correr, correr pra cima, pra baixo, aquela vontade que as pessoas sentem quando querem sumir.
MEDO. Essa palavra é muito curta, escura e cheia de buracos. Essa palavra tem cheiro de escuridão com barulhos estranhos. O medo me deixa do tamanho de um rato.
O que responder para o mundo? Decidi não pensar, e respondi com o coração: NÃO SEI POR QUE VIM, POR ONDE ANDEI Não QUERO CONTAR, NÃO ESTOU PRONTA, NÃO TENHO NADA PRA TE DAR ALÉM DAS MINHAS ESPERANÇAS, E JURO QUE NÃO SEI ATÉ QUANDO VOU AGUENTAR...MAS GOSTARIA DE TENTAR.
“ por que você me quer de novo?” – eu não estava esperando por esta pergunta, o vento ficou mais forte , minha pisada ficou mais forte.
Senti que tinha que ser sincera: “ Olha, eu nem sei se quero realmente, você me persegue, fede, me cansa, eu te odeio, mas acho que vou tentar de novo por puro egoísmo. Um trabalho mal feito que precisa ser terminado, entende?”
Começou a chover, aquela chuva boa que acontece quando Deus quer tocar na gente. Eu estava com calor. A chuva sempre me consola...é como se me falasse: “viu? O céu também chora, e se esconde quando quer chorar.”
Voltei da rua e fiquei horas, molhada, sentada num banco e tentando entender esse meu estranho diálogo com o mundo...Percebi que entendi muito pouco. Ele quer que eu volte a consistir, e quer que eu pise forte, que voe menos... Isso eu também quero (que ELE não me ouça). E agora vou contar um segredo: nesse dia quase desisti. Quase. O mundo falou alto demais, e eu NÃO GOSTO.
Não gosto que gritem comigo.
Fabiana Lumi Hirata